Criador da série “Criança Amarela”, Monge Han traz em suas ilustrações, reflexões a respeito do cotidiano e dos conflitos existenciais humanos. Em entrevista ao BrazilKorea, ele fala sobre seus trabalhos e diferentes linguagens criativas, sua relação com a comunidade coreana e como vê a Hallyu hoje no Brasil.
Monge Han é o nome artístico de Eric Han Schneider, brasileiro descendente de coreanos, nascido em Manaus, criado no Rio de Janeiro e residente na cidade de Curitiba. Formado em Design Gráfico na UFPR, trabalha como ilustrador, tatuador e designer, além de ser aspirante à músico e DJ. Influenciado pela produção artística japonesa, logo na infância começou a desenhar e então nunca mais parou. Chegando a estudar Belas Artes na Holanda por um ano, onde teve a oportunidade de ampliar os horizontes de sua produção. Deixando de se enxergar como um proto-ilustrador e passando a se abrir mais como artista. Experimentando várias mídias (dentre elas o digital, muralismo com spray, gravura, vídeo, etc) e assim crescer como criador e ser humano.
BrazilKorea: Você nasceu no Brasil, mas possui descendência de coreanos, franceses e alemães. Como percebe a presença desse diálogo étnico na sua criação?
Monge Han: É muito louco pra mim. Desde criança a minha identidade pessoal sempre esteve em montanha russa. Nunca foi algo sofrido, eu não tenho problema em me enxergar como uma coisa nova; nem coreano tradicional, nem brasileiro “padrão” (se é que isso existe), nem europeu. Pessoalmente eu me sinto a mistura disso tudo mesmo. Minhas comidas favoritas, em ordem, são: Bulgolgui (Churrasco Coreano), Strogonoff, Sushi e Ceviche, um peixe peruano que minha mãe faz muito bem (Risadas). Eu me sinto essa mistura e amo isso. Os empecilhos sempre são os olhos dos outros, que acabam entrando em conflito com sua imagem pessoal.
Eu amo meu pai e ele é carioca, filho de europeus. Eu amo minha mãe e ela é uma coreana naturalizada brasileira. Não quero negar nenhuma dessas influencias em mim. O desafio é conseguir absorver essas influencias sem perder a sensação de si, principalmente em conflito com o olhar externo que muitas vezes é frio e julgador, que impõem vários esteriótipos e pre-conceitos. Mas esse é um pouco o desafio de todo mundo, seja por classe, raça ou gênero.
Mas em específico os asiático-brasileiros tem dificuldade nessa luta, ao meu ver. Principalmente porque é algo sobre o que se fala muito pouco, então quando você é um jovem tentando definir pra si mesmo quem você é, existem poucas figuras de comparação. Quero dizer: existem poucos asiáticos em evidência na cultura brasileira. Eu sou asiático, mas sou brasileiro. Sou totalmente brasileiro. Apaixonadíssimo pela comida, música e povo (apesar de todas dificuldades que existem em viver aqui).
Mas o que é um asiático brasileiro exatamente? Acho que essa é uma história que nossas gerações tem começando a escrever, porque agora estão começando a existir em quantidade considerável uma geração de jovens e adultos nascidos aqui mas com um contato muito próximo com nossas origens asiáticas. Nosso desafio é mostrar pra galera que ser Asiático-Brasileiro não é ruim! É linda essa mistura. Podemos ter orgulho dela, ela não precisa ser algo estigmatizado, nem apagado, nem deixado de lado. Não podemos deixar isso acontecer. Estamos aqui, podemos fazer coisas incríveis e somos tão brasileiros quanto qualquer um!
BrazilKorea: Monge Han parece surgir a partir de suas reflexividades do cotidiano e dos conflitos existenciais humanos. Pode nos contar um pouco a respeito desse processo?
Monge Han: A arte salva, sabe? Esse é um dito que eu gosto muito. Quem é artista é artista. Eu acredito nisso demais, ao mesmo tempo que acredito que qualquer pessoa pode ser artista. Mas tem pessoas que tomaram essa decisão a muito tempo, sabe? Eu sei que sou artista desde criança. No fundo eu nunca quis nem pensei em fazer nada diferente. Inicialmente comecei a desenhar para contar histórias, mas o prazer que se tem em conseguir se expressar através de uma mídia de forma bela é indescritível. O prazer da criação é algo que eu desejo pra todo mundo, do fundo do meu coração.
Portanto eu espero que as pessoas se conectem com o que eu faço não porque eu quero que elas me conheçam ou aplaudam “minhas” ideias. Tudo que eu faço é de algo que existe no mundo, eu tento ser apenas uma mídia pra contar uma história que é de todo mundo. Se não fosse todo mundo no mundo, eu não tinha história pra contar, entende?
Ser um artista que um jovem asiático-brasileiro pudesse se identificar me encheu de alegria, e me fez sentir com uma certa responsabilidade quanto ao que eu produzo agora. Sem querer e sem eu perceber talvez eu tenha virado referência pra alguém, e isso não é algo que eu imaginava acontecendo comigo tão cedo!
BrazilKorea: Os personagens de suas ilustrações possuem uma estética diferente da que o público comumente se depara. Como surgiu a ideia de trazê-los com três olhos e que simbolismos estão retratados nessa representação?
Monge Han: Aaa que bom que vocês perguntaram! (Risadas).
Foi um processo super extenso de desenvolvimento da linguagem que eu desenho e que, na minha cabeça, ainda está se desenvolvendo. Quando eu fiz intercâmbio pela Ciências Sem Fronteiras em 2014, tive a oportunidade de estudar Belas Artes na Academia Real de Artes, na Holanda. Lá um dos meus professores comentou no começo do processo: “Legal seus desenhos! Mas lembre-se que você está aqui para desenvolver uma linguagem, não um estilo.” E isso ficou muuuito na minha cabeça. Principalmente porque eu não conseguia entender direito o que ele queria dizer! (Risadas)
O que ficou disso pra mim é que sendo artista você é, antes de tudo, uma voz. “O que você quer dizer?” E depois você tem contato com uma mídia (por mídia quero dizer desenho, fotografia, etc, um veículo artístico) e desenvolve a técnica necessária para se comunicar através dessa mídia. Mas muita vezes a gente se preocupa tanto com a técnica que esquece de pensar na voz. Então a forma como o desenho existe, não deveria ser pautado apenas pela técnica que você conhece. Ela deve tentar ser uma linguagem que dialogue com a voz que você tem. Isso é desenvolver uma linguagem no desenho, é uma linguagem tão própria que ela nem pode ser considerada um estilo mais, é outro código de imagem. Um código que funciona para aquele artista e sua voz.
Existem milhões de artistas incopiáveis na história, e todos eles pra mim encontraram essa uma coisa. Não tem como copiar Van Gogh sem que todo mundo saiba que você fez isso. Porque Van Gogh tinha uma linguagem tão única de pintar que quando alguém usa da mesma linguagem, parece que não cabe com aquela voz. Obvio, ela não foi feita pra aquela voz, não é a voz do Van Gogh, é só o estilo. Nós podemos estudar a forma como Van Gogh trabalha e aprender com esse estudo, mas é impossível apresentar a linguagem dele como se fosse sua. Claro que esse é meu jeito pessoal de ver arte, e acredito que deve existir um equilíbrio entre técnica e voz, mas essa noção me ajudou muito a definir o que eu busco em desenho.
A metáfora dos 3 olhos surgiu desse estudo. Percebi que eu sempre gostei muito da estética e do simbolismo oriental. Sempre me interessei por Budismo. Minha mãe é monja, fui batizado no Budismo. Não sou praticante, mas gosto muito de ler sobre, minha filosofia pessoal é mais influenciada por isso do que qualquer outra linha religiosa ou filosófica. Curiosamente até meu apelido é Monge (mas isso surgiu totalmente de forma aleatória e não por causa dessa vivência haha). Então o símbolo do terceiro olho sempre esteve em meus desenhos. Sempre fazia vários personagens com o terceiro olho. Um dia, peguei um desenho de uma flor que tinha no meu sketchbook e desenhei um olhão nela. Enquanto ela tinha um certo volume o olho era totalmente 2D, chapado em cima do desenho.
Eu achei super interessante essa estética misturando 3D/2D, mas não sabia exatamente porquê. Então eu fiz mais alguns experimentos com esses olhos, e um dos experimentos era um rosto com 3 olhos paralelos assim, e eu me interessei demais porque era um grafismo que eu nunca tinha visto, mas usando um símbolo já muito antigo que é a ideia do “terceiro olho”. Como uma forma de humildade pessoal geralmente o terceiro olho não está aberto, por que é algo a ainda ser aberto, estamos em busca da iluminação e não nela ainda (ou estamos mas apenas em alguns momentos da vida!).
Hoje em dia esses três olhos já são até minha assinatura pessoal e minha logo. Ainda uso ele em quase todos personagens, mas dependendo da história não sei se vai ser algo sempre constante (Risadas). Mas tenho até eles tatuados em mim. Pra mim eles são a melhor tradução do que eu faço hoje em dia, essa busca do novo e do pessoal mesmo com tantas referências orientais e variadas dentro de mim e desses três olhinhos.
BrazilKorea: Vez ou outra você troca conversas por meio de quadrinhos junto ao Pedro Vó. Como tem sido esse processo conjunto de construção dos quadrinhos?
Monge Han: Eu amo muito o trabalho do Pedro! Ele é um amigo querido e um artista que eu admiro. Temos a conexão de vivência de ter feito intercâmbio na mesma universidade fora, mas em épocas diferentes. Nossos temas são muito parecidos, e já fizemos um zine juntos além das páginas de Historia em Quadrinhos. Ultimamente demos uma pausa nessa parceria mas é algo que eu quero retomar demais.
BrazilKorea: Além da ilustração, você procura explorar universos como o da música e do design. Que referências são fundamentais para você nesses outros processos de construção artística?
Monge Han: Um querido amigo chamado Henry me disse uma vez que cada vez que você experimenta uma mídia de trabalho diferente você conhece uma face nova sua. Acho que tem muito a ver com isso: toda vez que você cria algo você conhece uma parte sua. Mas se desenhamos, fazemos música, escrevemos e cozinhamos, ainda somos nós mesmos, certo? Sim! Mas o “você” que faz música não é exatamente igual ao “você” que cozinha. Temos características diferentes em cada manifestação. Uma pessoa pode ser um músico de heavy metal e pintar lindos quadros de paisagem super calmos. Temos esses vários lados em nós.
Me permitir experimentar várias mídias ao mesmo tempo me bota em contato com lados meus que eu não conhecia, ao mesmo tempo que me mostra o que é mais ligado com uma “essência” em mim. Esses vários lados nossos todos são muito reais. Mas é importante percebermos que nós somos maiores que tudo isso. Nosso eu é muito maior do que podemos passar na arte. O desafio é conseguir passar esse “eu verdadeiro” de forma cada vez mais honesta.
BrazilKorea: Existe algum projeto cultural ou produção artística que você gostaria de realizar com algum artista coreano?
Monge Han: Eu ia amar muito muito mesmo fazer a parte gráfica pro material de músicos coreanos como o rapper Okasian ou o produtor Josh Pan. Assim como asiáticos-americanos como o Dumbfoundead ou o Shawn Wasabi, os quais sou muito fã também. Além disso, existem dois tatuadores coreanos que eu amo demais, o Ssun e o Apro Lee. Mas deles eu queria mesmo uma tattoo na minha pele! (Risadas)
BrazilKorea: Que percepções você tem a respeito do jovem descendente de coreanos que mora no Brasil e sua relação com a comunidade coreana?
Para conferir na íntegra os trabalhos do Monge Han, basta acessar sua página do Facebook, Instagram e Behance. Para contato via e-mail, acesse o Gmail.
Agradecimentos: Eric Han Schneider